Extrato do livro O Tecido do Cosmo – O espaço, o tempo e a
textura da realidade, de Brian Greene, editora Companhia das Letras (pode ser encontrado, em parte no Google Books).
Começamos com o experimento da
figura 7.1a, modificado com a redução da frequência do laser, que passa a
disparar um fóton de cada vez, como na figura 7.1b, e também com a colocação de
um novo detector de fótons próximo ao divisor de feixes.
Se o novo detector estiver
desligado (veja figura 7.2b), estaremos de volta à configuração original do
experimento e os fótons gerarão um padrão de interferência na tela fotográfica.
Mas se o novo detector estiver ligado (figura 7.2a), ele nos mostrará o caminho
seguido por cada fóton: se ele detectar um fóton, então é porque o fóton tomou
aquele caminho; se ele não detectar um fóton, então é porque o fóton tomou o
outro caminho. Essa “informação de escolha”, como é chamada, obriga o fóton a
agir como partícula e, portanto, o padrão de interferência ondulatório já não é
gerado.
Agora, vamos mudar as coisas à la
Wheeler, deslocando o novo detector de fótons mais para longe em um dos
caminhos. Em princípio, os caminhos podem ser tão longos quanto se queira, de
modo que o novo detector pode estar a uma distância considerável do divisor de
feixes. Também aqui, se o novo detector de fótons estiver desligado, estaremos
na situação normal e os fótons comporão um padrão de interferência na tela. Se
ele estiver ligado, fornecerá informações de escolha, o que impedirá a
existência do padrão de interferência.
A nova estranheza provém do fato
de que o recebimento da informação de escolha ocorre muito depois de que o fóton tenha tido que “decidir”, no divisor de
feixes, se atuará como onda e viajará pelos dois caminhos ou se atuará como
partícula e viajará apenas por um deles. Quando o fóton passa pelo divisor de
feixes, ele não pode “saber” se o novo detector estará ligado ou desligado – na
verdade, o experimento pode ser realizado de maneira que o interruptor do
detector só seja acionado depois que
o fóton tenha passado pelo divisor de feixes. Para estar preparada para a
possibilidade de que o detector esteja desligado, a onda quântica do fóton deve
dividir-se e viajar por ambos os caminhos, de modo que um amálgama dos dois
possa gerar o padrão de interferência observado. Mas, se acontecer que o novo
detector esteja ligado – ainda que depois que o fóton já tenha deixado o
divisor de feixes -, isso poderia causar uma crise de identidade para o fóton:
ao passar pelo divisor de feixes, ele já se teria comprometido com o caráter
ondulatório viajando pelos dois caminhos, mas agora, algum tempo depois de ter
feito essa escolha, ele “percebe” que precisa passar a ser uma partícula, que
viaja por um único caminho.
De algum modo, contudo, o fóton
acerta sempre. Toda vez que o detector está ligado – mesmo que o ato de liga-lo
ocorra bem depois de determinado fóton ter passado pelo divisor de feixes -, o
fóton atua inteiramente como partícula. Ele será encontrado apenas em um dos
caminhos para a tela (se colocássemos detectores de fótons mais abaixo, nas
trajetórias, cada fóton emitido pelo laser seria detectado por um detector ou
pelo outro, mas nunca pelos dois); os dados resultantes não mostram o padrão de
interferência. Toda vez que o novo detector está desligado – mesmo que a
decisão seja tomada depois que cada fóton tenha passado pelo divisor de feixes
-, os fótons atuam inteiramente como ondas, produzindo o famoso padrão de
interferência que indica que eles viajaram por ambas as trajetórias. É como se ajustassem
o seu comportamento no passado de acordo com a escolha futura, segundo esteja o
detector ligado ou desligado. É como se tivessem uma “premonição” da situação
experimental que encontrariam mais adiante e já atuariam de acordo com ela. É
como se uma história coerente e definida se tornasse manifesta apenas depois de
que o futuro ao qual ela leva estivesse totalmente estabelecido. (...)
[Neste ponto, o autor mostra que
a luz de um quasar, emitida e bilhões de anos, pode ser dividida de forma a,
potencialmente, percorrer dois caminhos e chegar a Terra, no qual um detector
pode identificar qual dos caminhos foi “adotado” pelo fóton: uma versão cósmica
do experimento aqui descrito].
A mecânica quântica não nega que
o passado tenha acontecido, e acontecido por completo. A tensão surge
simplesmente porque o conceito quântico de passado
é diferente do conceito de passado de
acordo com a intuição clássica. A nossa criação clássica nos faz desejar dizer
que determinado fóton fez isto ou aquilo. Mas no mundo quântico, no nosso
mundo, esse raciocínio impõe ao fóton uma realidade demasiado restrita. Como
vimos, na mecânica quântica a norma é uma realidade indeterminada, difusa,
híbrida, que consiste em múltiplos ramos e que só se cristaliza em uma
realidade mais familiar e definida quando se faz uma observação adequada. Não é
que o fóton tenha decidido bilhões de anos atrás contornar a galáxia por um
lado ou pelo outro. Durante esses bilhões de anos ele se manteve dentro da
norma quântica – um híbrido de todas as possibilidades. (...)
Uma observação feita hoje,
portanto, ajuda a completar a história que relatamos, de um processo que teve
início ontem, ou no dia anterior, ou talvez há 1 bilhão de anos. Uma observação
feita hoje pode delinear os detalhes que podemos e devemos incluir no nosso
relato do passado.
O Passado Apagado
É essencial ressaltar que, nesses experimentos, o passado
não é de modo algum alterado pelas ações de hoje, e nenhuma modificação que
façamos no experimento pode alcançar esse fim. Isso leva à seguinte pergunta:
se não se pode modificar algo que já aconteceu, pode-se fazer a coisa mais
próxima a isso – apagar o impacto
desse fato sobre o presente? Em determinado grau, por vezes essa fantasia pode
ser realizada. (...) Só quando um evento do passado parece impedir
definitivamente a ocorrência de um evento futuro (assim como defesa do pênalti
impede a vitória do time adversário), poderíamos pensar em que algo errado
teria acontecido. O apagador quântico,
originalmente concebido em 1982 por Marlan Scully e Kai Drühl, sugere esse tipo
de estranheza na mecânica quântica.
(...)
O Passado Conformado
Este experimento, o apagador
quântico de escolha retardada, também foi proposto por Scully e Drühl. Ele tem
início com o experimento do divisor de feixes da figura 7.1, modificado pela
inserção de dois conversores-descendentes, um em cada caminho. Os
conversores-descendentes são instrumentos que tomam um fóton como entrada e
produzem dois fótons como resultado, cada qual com a metade da energia
(convertida e reduzida) do original. Um dos dois fótons (denominado fóton-sinal) é orientado para tomar o caminho
que o fóton original teria percorrido em direção à tela do detector. O outro
fóton produzido pelo conversor-descendente (denominado fóton-complementar) é enviado em uma direção
totalmente diferente, como na figura 7.5a. Cada vez que o experimento é
realizado, podemos determinar qual o caminho tomado pelo fóton-sinal em direção
à tela observando qual dos conversores-descendentes emite o parceiro
espectador. Neste caso, mais uma vez a capacidade de compilar as informações de
escolha a respeito dos fótons-sinais – ainda que totalmente indireta, uma vez
que não estamos interagindo com nenhum fóton-sinal – tem o efeito de prevenir a
formação de um padrão de interferência.
Agora vamos à parte estranha. E
se manipularmos o experimento para que se torne impossível determinar de qual
conversor descendente determinado fóton-complementar surge? Ou seja: e se
apagarmos a informação de escolha que os fótons-complementares contêm? Acontece
algo assombroso: ainda que não tenhamos feito nada diretamente com os
fótons-sinais, ao apagarmos as informações de escolha contidas nos parceiros
espectadores podemos recuperar o padrão de interferência a partir dos
fótons-sinais. Vamos ver como isso funciona, porque é verdadeiramente
fantástico.
Observe a figura 7.5b, que reúne
todas as ideias essenciais, mas não se deixe intimidar. É mais simples do que
parece e vamos avançar com passos seguros. A configuração que aparece na figura
7.5b difere da que aparece na figura 7.5a quanto ao modo de detectar os
fótons-espectadores depois da emissão. Na figura 7.5a, a detecção é imediata,
de forma que podemos determinar instantaneamente qual conversor-descendente os
produziu – ou seja, qual o caminho tomado por determinado fóton-sinal. No novo
experimento, cada fóton-complementar é enviado a um labirinto, que compromete
nossa capacidade de fazer essa determinação. Imagine, por exemplo, que um
fóton-complementar é emitido pelo conversor-descendente que tem a etiqueta “L”.
Em vez de entrar imediatamente em um detector (como na figura 7.5a), esse fóton
é enviado a um divisor de feixes (com a etiqueta “a”) e tem, portanto, 50% de
possibilidade de seguir em frente pelo caminho “B”. Se ele seguir pelo caminho
“A”, entrará em um detector de fóton (etiqueta “1”) e sua chegada será
devidamente registrada. Mas se o fóton-complementar seguir pelo caminho “B”,
estará sujeito a mais andanças. Ele se dirigirá a outro divisor de feixes (etiqueta
“c”) e terá, portanto, 50% de possibilidade de seguir em frente pelo caminho
“E” para o detector “2” e 50% de possibilidade de seguir em frente pelo caminho
“F” para o detector “3”. Agora- mantenha-se atento porque tudo isto vai fazer
sentido – este mesmo raciocínio, quando aplicado a um fóton-complementar
emitido pelo outro conversor-descendente, com a etiqueta “R”, nos indica que se
o fóton-complementar seguir pelo caminho “D”, ele será registrado pelo detector
“4”, mas se seguir pelo caminho “C”, será detectado ou pelo detector “3” ou
pelo detector “2”, dependendo do caminho que tomar depois de passar pelo
divisor de feixes “b”.
Por que acrescentamos todas essas
complicações? Note que se um fóton-complementar for detectado pelo detector
“1”, ficamos sabendo que o fóton-sinal correspondente tomou o caminho da
esquerda, uma vez que um fóton-complementar que tenha sido emitido pelo
conversor-descendente “R” não tem como chegar a este detector. Do mesmo modo,
se um fóton-complementar for detectado pelo detector “4”, ficamos sabendo que o
fóton-sinal correspondente tomou o caminho da direita. Mas se um
fóton-complementar acabar no detector “2”, não teremos nenhuma ideia quanto ao
caminho tomado pelo seu aprceiro-sinal, pois há possibilidades iguais de que
ele tenha sido emitido pelo conversor-descendente “L! e seguir o caminho B-E,
ou de que tenha sido emitido pelo conversor-descendente “R” e tomado o caminho
C-E. Do mesmo modo, se um fóton-complementar for detectado pelo detector “3”,
ele poderá ter sido emitido pelo conversor-descendente “L” e viajado pelo
caminho B-F, ou pelo conversor-descendente “R” e viajado pelo caminho C-F.
Assim, para os fótons-sinais cujos
fótons-complementares foram detectados pelos detectores “1” ou “4”, teremos
informações de escolha, mas para aqueles cujos fótons-complementares forem
detectados pelos detectores “2” ou “3”, as informações de escolha são apagadas.
Este apagamento de algumas das
informações de escolha – embora não tenhamos feito nada diretamente com os
fótons-sinais – significa a recuperação dos efeitos da interferência? Sim
senhor – mas apenas para os fótons-complementares chegam aos detectores “2” ou “3”.
(...) Porém não haveria nenhum padrão de interferência se nos concentrássemos
apenas nos fótons-sinais cujos parceiros complementares chegaram aos detectores
“1” ou “4” (...).
Esses resultados – confirmados em
experimentos – são extraordinários: ao incluirmos os conversores-descendentes
que têm o potencial de propiciar informações de escolha, perdemos o padrão de
interferência, como na figura 7.5a. (...) eliminando cuidadosamente as informações
de escolha potenciais, trazidas por alguns dos fótons-complementares, podemos
induzir a formação de um padrão de interferência que indica que alguns dos
fótons tomaram, na verdade, ambos os caminhos.
Note também o que talvez seja o
resultado mais espantoso de todos: os três divisores de feixes e os quatro
detectores de fótons-complementares que foram acrescentados podem estar no
outro lado do laboratório, ou mesmo no outro lado do universo, uma vez que nada
na nossa discussão depende de que eles recebam determinado fóton-complementar
antes ou depois de que o fóton-sinal que é seu parceiro atinja a tela. Imagine,
então, que esses instrumentos estão bem longe, a dez anos-luz de distância
(...) o que esta discussão mostra com vigor é que a história que contamos para
explicar os dados dos fótons-sinais depende significativamente de medições
feitas dez anos depois do momento em que esses dados foram reunidos.
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