quarta-feira, 2 de maio de 2012

Sintonia Fina


Numa análise pessoal honesta, falando àqueles que leem sobre a metodologia científica e, em particular, sobre os avanços na física, acho improvável que, dentre tais leitores, alguém não se assombre com o sucesso vertiginoso alcançado.
As modernas teorias são bastante amplas e explicam muitos aspectos do universo, como, por exemplo: a formação das estrelas e dos planetas, como se dão as ligações químicas e o como há estabilidade nos átomos. A gravidade, bem como as outras três forças conhecidas, tem descrições, modelagens, matemáticas muitíssimo precisas. Também faz parte deste avanço, de forma direta ou indireta, grande parte dos modernos equipamentos que dispomos nos mais vastos campos de atuação humana (também para nosso conforto).
Sabemos também que há, ainda, várias explicações a serem dadas e perguntas a serem respondidas. Aliás, alguns acham que quanto mais sabemos, mais perguntas surgem.
Um dos grandes desafios atuais é saber como se deu a precisa calibragem de constantes, de valores, para que o universo ser da forma que observamos.
Como exemplo, tem-se o problema da densidade crítica [1], a qual mostra que variações muito baixas em torno dessa densidade no universo um segundo após o Big-Bang, levaria a constatação, hoje, de uma densidade severamente diferente da que é verificada (por mais imprecisa que ainda seja essa medição).
Uma ideia ampla do que estou comentando aqui é dada por Roger Penrose, o qual calcula que a probabilidade do universo existir a partir das possíveis variações em seu início (na física deste início) é algo praticamente nulo [2]: menos de uma chance em 10 elevado 10123 (esse número aumenta se o universo for maior do que estimamos hoje).  É uma improbabilidade estupidamente monumental: em termos práticos, pode alegar que a existência do universo, de forma similar ao que verificamos, é impossível.
O que dizer disso? Fazer como alguns que, talvez por preguiça, simplesmente admite a improbabilidade, afirmando algo como “Já que o universo existe, então essa chance remotíssima se concretizou!”? Ou, como outros, aceitar resignadamente não ser necessária ter explicação para isso? Segundo Brian Greene: “... esse tipo de resposta não agrada muito a maioria dos cientistas.”, ou seja, o pensamento científico passa longe de tais acomodações.
Do meu ponto de vistas, apoiando Greene e os demais que pensam do forma similar, posturas assim matariam a ciência. Afinal, são as dúvidas, em conjunto com os resultados diversificados daquilo que conceituamos como "normal", que move o avanço da ciência.
O que resta?
Obviamente, por se tratar de um problema em aberto, as respostas, quando existem, são teóricas, são hipotéticas, são especulações. Contudo, deve-se ter em mente que as especulações na física teórica estão alicerçadas em modelos que, de algum modo, tem o poder de descrever os experimentos que observamos: o que se faz é uma extrapolação do(s) modelo(s) [3].
A melhor explicação que tenho conhecimento para ordem precisa desse ajuste é explanada em “O Tecido do Cosmo: o espaço, o tempo e a textura da realidade”, de Brian Greene. Utilizando-se do poder da teoria das cordas, em particular da teoria M [4], verifica-se que a ideia de múltiplos universos, multiverso, é amparada pela nessa teoria. Assim, o nosso universo é uma gota num vasto oceano de universos, coexistindo.
Como isso resolve o problema?
Essa quantidade inumerável de universos permite postular que, cada um deles, traz o conjunto dos possíveis ajustes das constates físicas, ou seja, leis físicas, diferentes e particulares aos mesmos (contudo, nada impede que dois ou mais universos tenham as mesmas leis, até onde sei). Assim, todas as combinações dos arranjos daquelas constantes seriam possíveis de serem concretizadas no multiverso: um particular ajuste equivale a (pelo menos) um universo formado.
Obviamente, muitos desabariam sobre si mesmo ou se expandiriam rápido demais para gerar algo remotamente parecido com o que vemos por aqui.
Contudo, como é comum à ciência, a resposta de uma dúvida leva a outro(s) questionamento(s).
O problema aqui é que, a princípio, essa brilhante concepção não é verificável, pois, para validar experimentalmente, direta ou indiretamente, teríamos de observar estes universos irmãos (com tempo, espaço e matéria interligados pelo “nascimento” dos mesmos e diferentes do nosso).
Além disso, o problema só foi jogado para frente: e a “bolha” formada por todos os universos? Como explicar ou entender? É verificável?
É um tanto metafísico [5], mas, ressalto, é a melhor explicação que li.


 [1] “... o total de massa e energia em determinado volume do espaço – densidade de matéria/energia – determina a curvatura do espaço. Se essa densidade for alta, o espaço se contrai sobre si mesmo, na forma de uma esfera; ou seja, haverá uma curvatura positiva. Se a densidade for baixa, o espaço se abrirá para uma curvatura como uma sela de cavalo; ou seja, haverá uma curvatura negativa. (...) para um valor muito especial da densidade de matéria/energia – densidade crítica, igual a massa de cinco átomos de hidrogênio (cerca de 10-23 gramas) por metro cúbico - ... será perfeitamente plano; portanto, não haverá curvatura.
(...)
 As equações da relatividade geral, que orientam o modelo padrão do Big-Bang, revelam que, se a densidade de matéria/energia original fosse exatamente igual à densidade crítica, ela permaneceria igual à densidade crítica durante a expansão do espaço. Mas, se ela fosse superior, ou inferior, ainda que de froma mínima, à densidade crítica, a expansão subsequente a levaria a afastar-se enormemente dessa densidade. Para que se tenha uma ideia das proporções , se um segundo após o Big-Bang o universo tivesse 99,99 por cento da densidade crítica, os cálculos demonstram que hoje a sua densidade teria caído ao nível de 0,00000000001 da densidade crítica. (...) uma coisa é certa: a densidade de matéria/energia do universo não é milhares e milhares de vezes maior ou menor do que a densidade crítica. (...) Essa conclusão dá um ar de estranheza ao modelo padrão do Big-Bang. Ela implica que, para que o modelo seja coerente com as observações, algum mecanismo – que ninguém conhece nem pode explicar – terá regulado a densidade de matéria/energia do universo primitivo a um nível extraordinariamente próximo ao da densidade crítica.
(...) Esse é o problema da planura. (...) Ele não significa, de modo algum, que o modelo-padrão do Big-Bang esteja errado. A reação típica de quem acredita firmemente no modelo é levantar os ombros e dizer: “Ora, foi assim que as coisas aconteceram naquele tempo”, e considerar como um dado da natureza, ainda que não explicado (...). Mas esse tipo de resposta não agrada a maioria dos cientistas. Eles consideram que uma teoria cujo êxito depende de regulações extremamente precisas de dados para os quais não temos explicações essenciais não é de modo algum natural. (...) Os físicos gostam de teorias cujas previsões não dependam de números desconhecidos com relação ao estado das coisas há muito tempo. (1)”
Brian Greene, em: O Tecido do Cosmo: o espaço, o tempo e a textura da realidade.

[2] “Qual é a probabilidade de que, puramente por acaso, o Universo tivesse uma singularidade inicial que se, mesmo remotamente, com o que é? A probabilidade é menor de uma parte em 10 elevado 10123. (...) Se eu pusesse um zero em cada partícula elementar do Universo, ainda não conseguiria escrever o número completo. É um número estupendo.”
Roger Penrose, em: O Grande, o pequeno e a mente humana.

[3] Tal extrapolação ganha força na medida em que faz previsões diferentes de outros modelos teóricos (concorrentes, em maioria) e, ainda, que tais previsões sejam mensuráveis e confirmadas.

[4] A teoria das cordas (como as variações Supercordas e M) é uma candidata a reunir a mecânica quântica e a relatividade em uma só teoria.

[5] “A física só se ocupa das coisas que podemos medir. Do ponto de vista da física, isso é a realidade. Tentar utilizar a física para analisar uma realidade “mais profunda’, que esteja além do que podemos conhecer por meio de medições, é como pedir que se analise o som de uma só mão batendo palmas.”
Brian Greene, em: O Tecido do Cosmo: o espaço, o tempo e a textura da realidade.

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