"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava
com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas
foram feitas por meio dele."
(João 1:1-3)
Introdução
Vivemos no universo físico, ou material. Um objeto de
matéria sofre influência de outros objetos de mesma natureza. Por outro lado,
acredita-se que temos uma alma, algo que guarda nossa essência pessoal, que sobrevive
e antecede a vida do corpo que ora “habitamos”.
Uma pergunta natural desta situação é: como algo não
físico interage e “domina” algo que é físico?
A informação como base da existência
A citação que abre este
texto nos é apresentada pelo apóstolo João. O Verbo, no sentido de “palavra oralmente
expressa”, indica que a criação vem à existência de forma análoga a que
expressamos nossos pensamentos (na maioria das vezes) a outras pessoas.
A palavra é a (ou uma forma
de) portabilidade (ou de um conjunto) de informações. Além disso, dito de
forma simplificada, para que seja estabelecida uma efetiva comunicação entre
duas pessoas é necessário que a mensagem seja percebida e compreendida.
Podemos, então, afirmar que,
no ponto de vista apresentado pelo apóstolo João, nosso universo é produto da
expressão inteligente do Criador, a qual é, a nós, inteligível. A informação do
Verbo de Deus molda e define a criação, bem como a nós na mesma. É a informação,
a qualidade desta e nossa compreensão, que permite que diferenciemos tudo: água
de madeira, ar de luz, passado de futuro, etc. Em consequência direta, essa
informação, o Verbo, é que possibilita e dá existência à criação.
A
mente que dirige o universo
Há muitas representações de
Deus nas culturas que cercam o mundo. Contudo, parece-me que as representações
físicas do Criador são pobres para captar a grandiosidade infinita. Todavia, em
Gênesis, acha-se uma dica: o homem é a imagem e semelhança de Deus.
Alguns podem dar uma
interpretação física para essa citação (um velho de longa e vistosa barba
branca, por exemplo), mas eu prefiro outra analogia: a mente humana. Na Terra, biologicamente
abordando, não somos a forma de vida mais forte, ou a mais resistente. No
entanto, somos aquela dominante no planeta. Poucos discordariam que a grande
vantagem que temos sobre outras formas de vida conhecidas e nossa capacidade
mental, nossa inteligência. É nosso grande diferencial.
A maneira que cada um de nós
pensa e, fruto disto, age é que nos caracteriza de forma indiscutível. Por
certo, a aparência, o corpo, também é um forte identificador. Mas, todavia,
dois gêmeos idênticos podem ser reconhecidos por atitudes diferentes,
características de mentes distintas e particulares.
Ao se assumir (ao menos em parte)
a formulação proposta pelo professor Amit Goswami sobre como a mente cria todo
nosso universo e, ainda, que partilhamos de uma só consciência, como explicar a
diferenciação mental particular que caracteriza de forma única todos nós? E,
ainda, como uma só mente “induz” nossos cérebros diferentes?
Microcosmo
e macrocosmo
A resposta àquela pergunta passa,
inicialmente, pela percepção de que o nascimento e a história do nosso universo
estão estritamente relacionados aos fenômenos de domínio de estudo da mecânica quântica (bem como da relatividade). A base elementar de tudo que observamos é
objeto de estudo desta teoria (ou conjunto de teorias) da física.
Neste contexto, nossas
mentes deveriam, em tese, ter uma ligação estreita com tais estudos. Algo aponta
nesse sentido? Sim.
Uma possibilidade de entendimento de como isso é possível
se dá pelo mecanismo proposto por StuartHameroff e Roger Penrose para o funcionamento da consciência: o cérebro seria
um computador quântico. Essa nova perspectiva científica do funcionamento do
cérebro pode levar a compreender que a estrutura conformada pelos neurônios que
definem nosso sistema nervoso funciona como um “leitor”, a nível subatômico, das
informações mais básicas que constituem e definem todo o universo.
Assim, a arquitetura geral das ligações que resultam nas
sinapses nervosas particulares a cada um de nós é uma resposta que leva a
compreensão da particularidade perceptiva e, em função desta, das ações diversas
que tomamos frente aos acontecimentos a que presenciamos. Em outras palavras, as
ligações das células nervosas em nossos cérebros seriam com impressões
digitais: únicas. Por tal particularidade, a leitura mental realizada pelo
cérebro é específica e exclusiva a cada um de nós.
Nosso sistema nervoso central, de forma mais genérica,
seria análogo ao seletor de canais de uma televisão que, dentre diversos sinais
transmitidos por várias emissoras (pelo ar ou via cabo), captaria com perfeição
dadas informações de uma delas. Esse conjunto de informação, em analogia ao
canal da televisão, é que chamamos de alma. A “imagem” resultante é o que chamamos
de consciência.
É possível, ainda, num exercício livre e mais amplo,
entender que esse mecanismo reflete algo que ocorre também em outros planos de
existência (quando admitimos a existência desses). Almas (ou corpos) de
realidades distintas que induziriam a consciência do corpo que está em uma
realidade mais densa imediatamente subsequente.
Seriam como transformadores de voltagem (ligados a uma só
usina de energia) que recebem tensão de dada voltagem em um lado e fornecem
outra voltagem do outro. Uma particularidade conveniente: determinados efeitos
em ambos os circuitos (do lado de alta ou de baixa voltagem) podem apresentar
reflexos no circuito oposto.
A mente universal e o que tomamos como nossas
mentes individuais
Assim, o Verbo que traz a existência e modela a criação é o
mesmo que anima a alma e que, em última instância, nos “fala” na mente.
O que está sendo proposto neste texto é o mecanismo pelo
qual a alma, suposta não material, induz e controla o cérebro (material). Conceitualmente,
está quebrada a barreira entre o que é e o que não é considerado matéria [1].
Assim, de forma análoga a que se modela matematicamente as
possibilidades de uma partícula subatômica (um elétron se deslocando, por
exemplo), ou, ainda, todo o universo por meio de uma função de onda probabilística, nosso cérebro, no contexto
apresentado, também teria todas suas possibilidades descritas matematicamente nos
moldes da citada função de onda.
Todavia, retornando a proposta de Amit Goswami, a função de
onda pode ser interpretada como a manifestação, o efeito perceptível, da
modelagem imposta pela mente única ao universo. Em outras palavras, nossa consciência
seria modelada matematicamente (assim como, em tese, todo o universo ou uma
simples partícula). Essa modelagem é, em última instância, a manifestação
física da mente que define a criação: nossas consciências, portanto, seriam
(descritas por) funções que, uma vez somadas, compõem aquela que permite a
manifestação do universo [2].
Do exposto, nossas consciências e cada ínfima partícula que
existe neste universo tem a mesma origem: são conformadas de maneira análoga. Assim,
a questão apresentada na introdução deste texto “como algo não físico interage e domina algo que é físico?” é respondida por: o universo físico é um efeito, uma
leitura, de informações que só fazem sentido a luz de uma única mente que o
modela e o constrói, bem como permite ser partilhada (em parte) por criaturas
que existem em tal criação. Note que há uma interdependência da manifestação (parcial)
da mente pelo cérebro (ou pelo corpo, de forma geral) com a própria existência do
mesmo enquanto matéria.
Essa é uma proposta em que a mente forma o universo e,
nele, a matéria. É o oposto ao que se propõe em termos canônicos acadêmicos, de
que a mente é fruto de um epifenômenos do cérebro.
Por fim, da conclusão apresentada, seria justo perguntar se
há pesquisas que indiquem que a mente independe do cérebro. Proponho que seja verificado uma publicação feita na revista The Lancet, em 2001, dos pesquisadores Pim van Lommel, Ruud van Wees, Vincent Meyers, Ingrid Elfferich, cuja o título é Near-death experience in survivors of cardiac arrest: a prospective study in the Netherlands.
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[1] Lembre-se: a molécula (feita de átomos), último “refúgio”
que guarda a propriedade do material que a mesma compõe, tem muito mais espaço vazio do
que componentes elementares (como prótons, elétrons e nêutrons). Essa
observação também serve para átomos. Perceber, por exemplo, uma pedra como um
sólido é uma característica emergente da mesma (mesmo uma estrela bem maior que
o sol pode ter todo seu material, se suprimido o espaço entre seus componentes
subatômicos, condensado e confinado em um ponto, uma escala dita “infinitesimal”;
obviamente, não se está falando do raio do horizonte de eventos. Ver estudos
sobre buracos negros).
[2] Note que isso não significa que a mente que dirige a
criação é a mera soma das mentes menores (nossas), ou dependa delas, mas que
nossas consciências (individuais) são simples componentes da mente que rege a
criação: cada existência só é possível em um contexto amplo que esteja,
obrigatoriamente, em conformidade com a mente única e seu planejamento para a
criação.
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