Deixe eu fazer um esclarecimento.
Cabala é uma palavra hebraica. Seu significado é traduzido como “tradição”, “o
que é recebido” ou “recepção”. Prefiro o primeiro significado. Os judeus têm (dentre
outros) este grande mérito: mantêm a tradição viva, guardada e são os
responsáveis pela mesma desaguar nos tempos modernos. Porém, a Tradição não se
resume somente na Tradição Hebraica (ou Cabala, simplesmente). Quando falamos
em Cabala, normalmente ligamos este conceito aos judeus. Para evitar tal
confinamento, talvez o melhor seja utilizar Tradição.
Como cristão, embora tenha interesse
em estudar amplas culturas e filosofias nas quais esta Tradição se mostra (ou
se mostrou), tenho uma ótica pessoal moldada, por mais que eu me esforce em
evitar esta “interferência”, por minhas crenças.
Isto posto, vou tentar resumir minha
concepção sobre a criação, ou pelo menos, os passos iniciais desta.
A premissa aqui é a existência de um
Criador (de tudo).
Para entender melhor a criação feita
por um Criador incriado (Deus, Alá, etc), atentemos para alguns conceitos.
Nossas ferramentas de linguagens são pobres: falar de algo que precede tempo,
espaço, matéria e energia requer uma abstração deveras elevada (para quem
escuta também, obviamente). O Criador está muito além de nossa capacidade
mental de compreender a natureza dEle, embora sua manifestação (e nós nela)
tenhamos de ser compreensíveis. Assim, tudo que existiu, existe e existira
forma um conjunto mínimo contido no Criador. Todas as probabilidades possíveis
de existência nele coexistem. Deus é formado também, supostamente, por
existência incompatíveis com nosso universo. Não há qualquer espécie de limite nEle,
e sua simetria é absoluta (ou unidade).
Segundo a cabala, a criação ocorre
através de um processo que é denominado de Tsim Tsum, ou constrição. Os
cabalistas atribuem este conceito a Abraão, embora só esteja registrado por
escrito no Sec XIV. Eles explicam que se só existia o Criador e este compreende
toda a existência do nosso universo e outros, uma quebra de simetria, um
“espaço primordial”, um “útero” ou “ovo primitivo” tem de ser formado para que
neste ambiente a criação pudesse vir à existência de forma diferenciada do seu
criador. Este ambiente é denominado por “primogênito”, “primeiro”, “princípio”
(“Reshit”, em hebraico, tem como raiz “Resh”, que significa “cabeça”). Em
Reshit (No princípio...) é que tudo será criado. Reshit não só é o embrião do
tempo e espaço, também o é da matéria e energia. É uma existência viva, um deus
se quiser assim conceber, a forma finita mais poderosa (se Deus fosse finito,
seria Reshit). Reshit se apresenta a Moisés (na sarça ardente) como "Ehyeh asher ehyeh" (“Eu sou o que Eu sou”, ou “Sou o que
Sou”). Ele é o “Ser”, a condição de existência de nosso universo.
Esta necessidade de “separação”, de um espaço que abrigue a
criação, ocorre por algumas necessidades (até físicas) que nos é compreensível.
Filosoficamente abordando, vivemos num universo finito: o limite é uma “marca”
naquilo que percebemos. Logo, há necessidade deste “limite” se manifestar e se
destacar da simetria absoluta (que torna o limite inerte) de forma dominante,
para que qualquer criação que tenha tal característica possa existir.
Fisicamente, assim como a Terra não pode existir no interior do Sol, ou nos
primeiros anos pós Big Bang, devido à alta energia que estes ambientes possuem
(destroçaria a matéria necessária à existência do nosso planeta), a Fonte que
originou tudo isto é, por suposição nesta explanação, de uma energia muito além
das nossas escalas, logo incompatível com escalas mensuráveis de energia
(inclua nosso universo nesta conta).
Bom, isto é para explicar o “No princípio...” de Gêneses
1,1. Acho que dá para perceber que o assunto não é simples, requerendo
exposições bem elaboradas e de difícil síntese (pelo menos para mim).