domingo, 2 de dezembro de 2012

Redução de Estado e Consciência


Se você não quiser acompanhar a construção da ideia aqui apresentada e preferir conhecer apenas a conclusão, pode seguir para os dois últimos parágrafos deste texto (CONCLUSÃO).

Para entender minha exposição, é necessário que você tenha certa familiaridade com determinados conceitos: interpretações da mecânica quântica (o professor Osvaldo Pessoa Jr afirma já ter contado cerca de 50 diferentes interpretações e acredita que exista mais de 100). Sobre este assunto, em outro texto que escrevi neste blog, indispensável para entender em detalhes este artigo, faço um resumo de algumas destas interpretações em relação ao problema da medição e exemplifico utilizando uma experiência já descrita também no blog. As que constam naquele meu artigo são as que tive acesso e, também, as que percebo como mais difundidas na comunidade científica especializada.

Naquele texto, note que nas Interpretações Corpuscular Realista, Dualista Realista, da Complementaridade e na Ondulatória Realista, em duas de suas variações (Transacional de Cramer e Localizações Espontâneas), é proposto como mecanismo de redução de estado, colapso da função de onda, direta e exclusivamente, a interação dos aparelhos de medição com a partícula (fóton, elétron, etc. - elemento cujo comportamento é investigado pelo experimento). Naquele texto, no último parágrafo de cada uma das interpretações (e variações), exemplifiquei o processo utilizando o experimento da escolha retardada.

De posse destas informações, é muito importante reler o experimento da escolha retardada (EER) e a variação do mesmo em que se utiliza de um apagador quântico (EER-AQ).

Abaixo, reproduzo aqui a figura 7.5 do livro O Tecido do Cosmo. O Espaço, o tempo e a textura da realidade, de Brian Greene, editora Companhia das Letras, a qual ilustra o trecho que reproduzi em artigo neste blog (EER e EER-AQ).



Desta última formulação da experiência citada, EER-AQ, você deve prestar especialmente atenção em um fato: considerando o caso da figura (b), EER-AQ, em que os fótons-complementares foram enviados para o labirinto, o padrão de interferência é verificado (para o subconjunto de fótons-sinais cujos pares fótons-complementares atingirem os detectores 2 ou 3).

Na EER, se os conversores-descendentes (aparelhos etiquetados com as letras “L” e “R”) estão ligados, há a redução de estado: a interferência é destruída completamente.

Da experiência EER-AQ, considerando as interpretações Corpuscular Realista, Dualista Realista, da Complementaridade e na Ondulatória Realista, em duas de suas variações (Transacional de Cramer e Localizações Espontâneas), como há uma efetiva ação de um equipamento clássico (conversor-descendente), o qual em parte é um detector, sobre o fóton original (disparado pela fonte), para todas as interpretações citadas, segundo o que é descrito no artigo que explica como uma medição provoca a redução de estado (de forma realista ou positivista), o padrão de interferência deveria ser completamente destruído, mesmo para as partículas que chegarem nos detectores 2 e 3.

Se há uma detecção de cada fóton original por meio de objetos clássicos (pelos conversores-descendentes “L” ou “R”, que também são emissores de fótons), cada uma daquelas interpretações preconiza que ocorre a redução de estado (colapso da função de onda).

Na experiência EER, isso ocorre, pois somente um dos conversores-descendentes emite o equivalente fóton-sinal e fóton-complementar. Os detectores propriamente ditos funcionam como sensores de impacto e amplificadores [2] do fóton detectado para a percepção do pesquisador. 

Contudo, na experiência EER-AQ, não há o colapso em relação à detecção feita pelos conversores-descendentes, pois o padrão de interferência existente indica um comportamento ondulatório, como pode ser conferido no texto apontado: é isto que ocorre na experiência descrita por Brian Greene.

Assim, pode-se dizer que as explicações dadas pelas citadas interpretações não são capazes de descrever o que se verifica na experiência, EER-AQ, analisada, ou seja, aquelas interpretações descrevem comportamentos físicos que são refutados experimentalmente.

Uma possível saída para justificar aquelas interpretações que alguém poderia formular é propor que, no caso do experimento EER-AQ, os conversores-descendentes “L” ou “R” (objetos clássicos) entrariam em sobreposição: seriam descritos por meio de uma função de onda, com múltiplos estados possíveis (como o próprio fóton original). Justificando desta forma, só haveria a redução por ocasião da efetiva medição do fóton-complementar pelos detectores enumerados de 1 a 4 (inclusive 2 e 3, em análise inicial). Mas qual seria a justificativa para não haver sobreposição de estados para os medidores 1 e 4? E no caso EER, não deveria ficar tudo em superposição de estados? Onde e como se encerraria tal sequência de superposição? A saída aqui é admitir que não há isolamento absoluto (considere, por exemplo, o chão onde as bases dos conversores e detectores se apoiam) o que levaria a uma superposição de estados extensível, em última análise, a todo o universo (hipótese dos Muitos Mundos).

Assim, das hipóteses interpretativas abordadas neste blog, sobra somente uma com duas explicações possíveis: a interpretação ondulatória em que há colapso da função e onda devido à existência da possibilidade de um observador interpretar o resultado da medição feita na experiência e a interpretação ondulatória vista segundo a proposição de Hugh Everett, dos estados relativos (ou Muitos Mundos), em que todo o universo pode ser descrito por uma função de onda (inclusive o observador e seus estados de consciência) e ele se desdobra a cada medição que leva a diversidade de possibilidades. 

Todavia, Everett propõe algo que se choca com o suposto por vários teóricos, que pode ser sintetizado nas palavras de Osvaldo Pessoa Jr, analisando o experimento-de-pensamento conhecido como O Gato de Schrödinger, quando o mesmo cita [1]: “... nossa noção intuitiva de um objeto clássico é que ele não existe em tais superposições e que seu estado macroscópico não é afetado pelo ato de observação.”, ou, ainda por A. O. Caldeira [3] “...há o chamado efeito de decoerência. Esse efeito só recentemente começou a ser estudado e trata do fato de não podermos separar perfeitamente um corpo macroscópico do meio onde ele se encontra. Assim, o meio terá uma influência decisiva na dinâmica do sistema, fazendo com que as condições necessárias para a manutenção dos efeitos quânticos desapareçam em uma escala de tempo extremamente curta. Na prática, essa destruição dos efeitos quânticos surge quando uma sobreposição de alternativas se transforma em simples mistura de alternativas.”.

Mas, ignoremos estas afirmativas e analisemos a experiência que exploramos aqui supondo a superposição de uma função de onda universal. 

Primeiro, vamos considerar a experiência EER em que os conversores-descendentes estão ligados. Como o experimento está preparado para um comportamento corpuscular (considerando que o circuito percorrido pelo fóton é suficientemente pequeno), o evento crucial é o acionamento, e consequente interação com o fóton original, dos conversores: uma vez que os mesmos estão ativos e são excitados pelo fóton original, a realidade se desdobra, por ocasião da ação mútua desse fóton com o sensor do conversor-descendente (objeto clássico), e se tem que um dos observadores resultantes nas realidades desdobradas vem um fóton ser detectado pelo aparelho da direita e seu “gêmeo” observa o resultado complementar. 

Ampliando, sugiro uma análise secundária na experiência EER: imagine que os conversores-descendentes estivessem em um trecho tão longo que pudessem ser removidos ou colocados após a emissão do fóton sinal, mas antes que algo viajando a velocidade da luz chegasse a suas posições. Sem os conversores-descendentes, haveria um padrão de interferência; com eles (ativados), um padrão corpuscular. Logo, assumindo que não há uma função de onda que viaje para o passado, a realidade desdobraria no exato momento em que o fóton sinal atinge a posição dos conversores-descendentes, pois, se o universo de desdobrasse antes e o equipamento fosse removido, teríamos uma duplicata do universo. Essa análise indica que a presença ou ausência dos conversores-descendentes ligados é que define, respectivamente, se haverá o comportamento corpuscular ou ondulatório (interferência).

Dito isto, voltemos à concepção mais convencional (se é que se pode dizer algo assim em se tratando de mecânica quântica) e observe novamente a figura que descreve a experiência abordada no início desta análise. Dada as condições físicas da EER-AQ até o acionamento dos conversores-descendentes pelo fóton original, a coerência com a física verificada na EER requer uma análise idêntica, ou seja, o desdobramento da realidade se as mesmas condições ocorrem. Consideremos, assim, que é exatamente o que ocorre. Como se desdobra cada um desses universos filhos? Nos dois universos resultantes, cada gêmeo-observador verificaria um comportamento corpuscular, pois o fóton-complementar de cada realidade seguiria por um, e somente um, caminho (sendo estes caminhos indicados pelas letras B e C). Isto posto, pelo funcionamento dos conversores-descendentes, caso a realidade desdobrada implique em um fóton-complementar se movimentando no trajeto B, então se tem seu par, um fóton-sinal, no trajeto que inicia no conversor-descendente “L”, representado a direita no desenho, e conduz à tela detectora (primeiro plano do desenho, mais “próxima “ ao leitor). Em consequência e de forma análoga, no universo “irmão”, tem-se um fóton-complementar no caminho C e um fóton-sinal no trajeto a esquerda da tela (iniciado no conversor-descendente “R”). Desta análise, conclui-se que não haveria a possibilidade de um padrão ondulatório de interferência, visto que tal padrão implica em aproximações simultâneas por ambos os trajetos que conduzem a tela detectora. 
Assim, conclui-se experimentalmente que esta opção da interpretação ondulatória (Muitos Mundos) é também rechaçada diante dos resultados verificados.

Para uma ampliação desta constatação, façamos um exercício intelectual e consideremos que a relação de causa e afeito não guardam, obrigatoriamente, sucessão temporal convencional. Neste caso, um evento em um tempo t1 (presente) pode definir, ao menos em nível de detalhes, os eventos no tempo t0 (passado: t1 é maior que t0). Até aqui, considero que, de fato, esse é o comportamento básico da natureza. Vamos à parte que não concordo, mas formulo para uma análise mais abrangente. Consideremos, ainda, que há (pelo menos) uma função de onda que volta no tempo, “indicando” que o conversor-descendente, o qual também tem função de detecção, ou o detector propriamente dito, está no caminho do fóton original, fóton-sinal ou fóton-complementar. Neste caso, deve-se considerar o exemplo como um todo: quando a configuração é para detectar um comportamento corpuscular, há o desdobramento; caso contrário, a realidade permanece inalterada [4]. Nesta análise, verifica-se a sobreposição entre os estados gerados pelos 2 caminhos clássicos possíveis ao fóton original multiplicados pela dupla de possibilidade, para cada percurso, de itinerários ao fóton-complementar: são, portanto, 4 possíveis estados. Com isto, segundo o verificado na experiência, confere-se o atributo de definição do desdobramento da realidade apenas quando os detectores 1 e 4 são disparados, a fim de se manter a coerência com as suposições apresentadas. Naturalmente, um questionamento surge: o que há de especial, em termos físicos, na interação ocorrida entre os fótons-complementares com os citados detectores que difere do mesmo tipo de medição quando efetivadas pelos detectores 2 e 3? Se alguém postular que há algo fisicamente diferente, isso não pode ser verificado isolando-se os acontecimentos imediatamente antes, após e durante ao tempo exato de chegada do fóton-complementar a quaisquer detectores, pois isso ocorre de forma idêntica para os 4 aparelhos (pode-se, inclusive, trocar os equipamentos de posição). A conclusão forçosa é que quando a detecção ocorre no par de sensores 1 e 4, é possível uma distinção de informação que não é apresentado no caso de detecção no par de medidores 2 e 3.

Note que, em resumo, pode-se verificar que não há qualquer ação sobre o fóton original ou sobre os fótons sinais, uma vez que a detecção é feita em relação aos fótons-complementares. Nem o apelo ao emaranhamento quântico [5] resolve o problema, pois, por exemplo, a medição de um fóton-complementar no detector 1 deveria provocar a redução no outro “bloco” quântico, o que levaria a detecção de um segundo fóton-complementar (?) no detector 4 (ou vice-versa). O ponto de interrogação denota que, neste caso (esdrúxulo), percorreu-se ambos os caminhos, o que implicaria, em teoria, sempre em um padrão de interferência. Obviamente, isso está em choque com o verificado na experiência.

CONCLUSÃO

Do exposto, verifica-se que as interpretações que consideram exclusivamente uma ação física dos componentes que compõem o experimento da escolha retardada (espelho, conversores, detectores, etc.) que se utiliza de um apagador quântico não conseguem elucidar coerentemente o que é observado na citada experiência. Em síntese, essa afirmativa pode ser feita devido à diferença crucial nas variações mensuráveis verificadas da EER que abordamos: as ações físicas sobre os fótons originais são idênticas, porém, as informações disponíveis para medição, no caso da EER-AQ, são indisponibilizadas de forma irremediável. Ou seja, fica evidenciado que a diferença é exclusiva quanto as informações acessíveis ao pesquisador. Conclui-se, daí, que é necessário um aspecto cognitivo capaz de processar as informações disponibilizadas como condição necessária a redução de estado. Ou seja, a redução de estado é condicionada a:
- preparo físico da experiência sob domínio de estudo da mecânica quântica; e
- a disponibilização irremediável, em relação ao experimento citado, de informações que permita diferenciar efetivamente, a nível cognitivo, um comportamento de outro.

Tais condições são necessárias e suficientes à redução de estado (colapso da função de onda) e respondem ao problema da medição no quesito “caracterização” [6].

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[1] Conceitos da Física Quântica, Osvaldo Pessoa Jr, volumes 1 e 2, Editora Livraria da Física.

[2] Amplificação, assim como a divisão do feixe, são fatores descartáveis quando se estuda a causa da redução de estado (ver [1]).

[3] A. O. Caldeira, O Que é Mecânica Quântica; Revista USP, nª 66, Ago 2005.

[4] O leitor mais atento deve ter notado que essa interpretação pode ser entendida como um amalgama de: muitos mundos, transacional de Cramer e complementar.

[5] Grosso modo, o emaranhamento significa que duas partículas, ou dois conjuntos de partículas, têm suas propriedades coligadas por efeito não local, ou seja, a medição de uma provoca redução em ambas.

[6] Em uma consideração preliminar, às conclusões aqui descritas poderão ser confirmadas, talvez com maior reforço, em análise de experimentos de resultado nulo (ao menos parte destes), o qual poderá ser objeto de outro texto neste blog.

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