domingo, 9 de dezembro de 2012

Por que acredito em Deus


Parte 1

Alguns alegam que as pessoas são religiosas, em geral, por serem criadas em culturas imersas em tal tendência: os pais são religiosos, os avôs e tios também, vizinhos, amigos, etc. Parece ser uma possibilidade forte para alguns terem alguma religião, mas isso seria desprezar o poder de raciocínio e crítica da maioria de nós.

Para aqueles que colocaram tais qualidades em ação, quase certamente aderiram a alguma forma de religiosidade por determinado padrão filosófico de convencimento (para alguns, um autoconvencimento). Outros, talvez, sintam alguma espécie de conforto nesse tipo de posicionamento. Há, ainda, aqueles que alegam terem tido uma “revelação” pessoal. Claro que essas justificativas não são mutuamente excludentes e dadas pessoas podem apresentar várias delas.

Assim, podemos alegar que se têm motivos culturais, emocionais e filosóficos para se dotar uma religião, ou, ao menos, uma religiosidade (os discordantes podem alegar que também existem motivos de tal ordem para ser um ateu, por exemplo).

Isso posto, surge uma questão: há motivos baseado na ciência, na física em particular, para se acreditar em Deus? Em outras palavras, é possível inferir, diretamente, algum conceito de Deus a partir da ciência, da física? Minha resposta é... sim. Vejamos o porquê.

No texto Redução de Estado e Consciência demonstro que, para uma interpretação coerente com a realidade física verificável experimentalmente, a redução de estado é condicionada a:
- preparo físico da experiência sob domínio de estudo da mecânica quântica; e
- a disponibilização irremediável, em relação ao experimento citado, de informações que permita diferenciar efetivamente, a nível cognitivo, um comportamento de outro.

Vamos interpretar isso. 

A experiência física é executada, mas os resultados verificados dependem dos aparatos físicos utilizados e, além destes, de que aquilo que foi medido permita diferenciação entre dois padrões de comportamento possíveis (ondulatório ou corpuscular). Em outros termos, ainda que a medição na partícula seja feita da mesma forma, que os sensores sejam idênticos, etc., que as interações físicas entre as partículas e os equipamentos não se diferencie, não basta que os detectores sinalizem (de forma visual, sonora, etc.) que essa ou aquela partícula chegou ao sensor: a armação do conjunto experimental tem de permitir, de alguma forma, que um observador seja conclusivo ao analisar os dados medidos em relação à partícula analisada ter percorrido um ou mais caminhos. Ou seja, se o experimento não permitir a possibilidade de tal verificação, do conhecimento – não de qualquer interação física – intelectual de que foi ou não adotado determinado caminho pela partícula, o comportamento verificado será ondulatório. 

Perceba que utilizando o mesmo tipo de equipamento, com os mesmos padrões de interações, a redução de estado (colapso da função de onda) só ocorre se a qualidade da informação - ou seja, não é só a mera informação física (visual, sonora, etc.) - tiver um aspecto cognitivo de forma a permitir compreensão e gerar um conhecimento diferenciado entre (pelo menos) duas possibilidades físicas verificáveis.

Como está explícito, o aspecto objetivo físico é condição necessária, mas não suficiente para a redução de estado. Assim sendo, o fator (teoricamente) subjetivo se mostra necessário à determinação do colapso da função de onda.

Esta constatação não é nova, embora a análise física apresentada no texto Redução de Estado e Consciência seja original. Ao fim deste texto, apresento citações de alguns físicos que, em maior ou menor grau, indicam a mesma conclusão (ou desaprovam essa compreensão em pares).

Sobre as interpretações subjetivistas de pesquisadores em relação ao problema da medição, Osvaldo Pessoa Jr [1] diz: 

Na década de 1930, antes da 2ª Guerra Mundial, as visões subjetivistas na Teoria Quântica eram fortes; após a Guerra, houve um crescimento e domínio das visões objetivistas (...) A partir dos anos 70, houve um aumento nas discussões filosóficas, e na década de 90 houve um retorno de visões subjetivistas, colocando o objetivismo na defensiva.”

Isto posto, de forma bastante resumida, apresento trechos que reflete a linha de argumento principal de Stephen Hawking e de Leonard Mlodinow (que também apresentam posição filosófica pessoais claramente ateia) exposto no livro O Grande Projeto.
- “(...) segundo a física quântica, cada partícula tem alguma probabilidade de ser encontrada em qualquer local do universo.”.
- “As probabilidades nas teorias quânticas (...) refletem uma aleatoriedade fundamental na natureza.”.
- “Na década de 1940, Richard Feynman teve um assombroso insight sobre a diferença entre o mundo quântico e o newtoniano (...) partícula não tem uma posição definida durante o tempo que se encontra entre o ponto inicial e o final. Feynman percebeu que isso não significa dizer que as partículas não têm trajetórias durante sua jornada entre a fonte e a tela. Antes, isso pode significar que as partículas percorrem todas as trajetórias possíveis conectando esses dois pontos (...) e o fazem simultaneamente!
- “A teoria de Feynman ilustra com especial clareza como um cenário de mundo newtoniano pode emergir da física quântica. (...) a teoria de Faynman permite prever os resultados prováveis de um ‘sistema’, que poderia ser uma partícula, um conjunto de partículas ou mesmo todo o universo.”
- “Feynman mostrou que, para um sistema geral, a probabilidade de qualquer observação é construída a partir de todas as histórias que poderiam levado àquela observação. (...) esse método é denominado de ‘soma sobre as histórias’ ou de ‘histórias alternativas’ da física quântica.”.
- “O fato de que o passado não tem uma forma definida implica que observações que fizemos de um sistema no presente afetam o seu passado. Isto é assinalado (...) por um tipo de experimento (...) chamado experimento de escolha retardada.”.
- “As leis da teoria-M, portanto, abrem a possibilidade de diferentes universos com diferentes leis aparentes.”.
- “(...) o universo apareceu espontaneamente, começando de todo modo possível.”.
- “(...) De fato, existem muitos universo (...) às vezes denominada conceito do multiverso (...)”.
-“(...) podemos retraçar a história do universo de cima para baixo (top-down), ou seja, ir para trás partindo do tempo presente. (...) As histórias que contribuem à soma de Feynman não têm existência independente, mas dependem do que está sendo medido. Criamos a história pela nossa observação, em vez de a história nos criar.”.
- “(...) a probabilidade quântica de que o universo tenha mais ou menos de três dimensões é irrelevante porque já determinamos que estamos em um universo com três dimensões espaciais extensas.”.
- “(...) nossa própria existência impõe regras determinando de onde e em que momento é possível para nós observarmos o universo. (...) a ocorrência do nosso ser restringe as característica do tipo de ambiente na qual nos encontramos. Esse princípio é chamado princípio antrópico fraco. (...) O princípio antrópico fraco não é muito controverso. Mas há uma forma mais forte, que defendemos aqui, apesar de ser encarada com desdém por alguns físicos. O princípio antrópico forte sugere que o fato de existirmos impõe restrições não apenas ao nosso ambiente, mas também às possibilidades de forma e conteúdo das leis naturais. Essa ideia surgiu porque não são somente as características do nosso sistema solar que parecem estranhamente favoráveis ao desenvolvimento da vida humana, mas também as características de todo o universo, o que é muito mais difícil de explicar. (...) Basta mudar as regras do nosso universo só um pouquinho, e acabam-se as condições para nossa existência!”.
- “Nosso universo e suas leis parecem seguir um projeto feito sob medida e que, se for para realmente existirmos, deixa pouca margem para alterações. Isso não é simples de explicar e sucinta a questão natural de por que é desse modo.”.
- “(...) o multiverso pode explicar a sintonia fina das leis físicas sem a necessidade de um criador benevolente que fez o universo em nosso benefício. (...) Criação espontânea é a razão por que há algo em vez de nada (...)”.

As explicações de Stephen Hawking e Leonard Mlodinow são muito boas, mas há uma lacuna que desarticula a última citação em relação às conclusões precipitadas de eliminar um criador e o fator de espontaneidade da criação. Quando os autores estão construindo seu argumento, explicam as histórias alternativas da física quântica, citam que “partícula não tem uma posição definida durante o tempo que se encontra entre o ponto inicial e o final”. A posição final, como já discutido, para ser observada de forma clássica (sem sobreposição), depende também da possibilidade de alguma consciência verificar tal redução de estado (as “histórias de Feynman” podem ser compreendidas como os estados – como possíveis “trajetórias”, por exemplo -sobrepostos da partícula). Assim, todo o argumento da dupla de físicos fica fundamentalmente condicionado à existência do homem no universo, o que torna o princípio antrópico forte um princípio antropocêntrico: o universo depende da humanidade (enquanto espécie no planeta Terra, poderia se dizer que essa dependência é de mão-dupla). 

Continua...

É errado pensar naquele passado como ‘já existindo’ em todos os detalhes. O ‘passado’ é teoria. O passado não tem existência enquanto ele não é registrado no presente. Ao decidirmos quais perguntas o nosso equipamento quântico de registro irá fazer no presente, temos uma escolha inegável sobre o que temos o direito de perguntar sobre o passado

John Wheeler, físico norte americano.


 Paul Dirac (em 1928) afirma: “Pode-se dizer que a natureza escolhe aquele dentre os estados que convém (...) A escolha, uma vez feita, é irrevogável e afetará todo o estado futuro do mundo”. Heisenberg critica a interpretação de que a natureza faz a escolha nos seguintes termos: “Eu diria, preferencialmente, conforme fiz em meu último artigo, que o próprio observador faz a escolha, pois é só no momento em que a observação é feita que a ‘escolha’ se torna uma realidade física  e que a relação das fases nas ondas, o poder de interferência, é destruída.”.

Trechos com aspas retirado de: Osvaldo Pessoa Jr; Conceitos da Física Quântica, Vol I, Editora Livraria da Física


[Versão] Até agora, temos apenas um aparelho acoplado a um objeto. Mas um acoplamento, mesmo com um dispositivo de medição, não é ainda uma medição. A medição é realizada somente quando a posição do ponteiro é observada . É precisamente este acréscimo de conhecimento, adquirido pela observação, que dá ao observador o direito de escolher entre os diferentes mistura de resultados previsto pela teoria, rejeitar aqueles que não são observados, e atribuir para o objeto, a partir de então, uma nova função de onda, que é um caso de um resultado puro  encontrado. Notamos o papel essencial desempenhado pela consciência do observador nesta transição da mistura para o caso puro. Sem a sua intervenção eficaz, nunca se obteria uma nova função.

[Original] So far we have only coupled one apparatus with one object. But a coupling, even with a measuring device, is not yet a measurement. A measurement is achieved only when the position of the pointer has been observed. It is precisely this increase of knowledge, acquired by observation, that gives the observer the right to choose among the different components of the mixture predicted by theory, to reject those which are not observed, and to attribute thenceforth to the object a new wave function, that of the pure case which he has found.
We note the essential role played by the consciousness of the observer in this transition from the mixture to the pure case. Without his effective intervention, one would never obtain a new function.

The Theory of Observation in Quantum Mechanics, Fritz London and Edmond Bauer, in Wheeler and Zurek, p.251


[Versão] Quando a provinciana teoria da física foi ampliada para abranger fenômenos microscópicos, através da criação da mecânica quântica, o conceito de consciência veio à tona novamente: não era possível formular as leis da mecânica quântica de forma totalmente consistente, sem referência ao Todo consciente que a mecânica quântica se propõe a oferecer como conexões de probabilidade entre as impressões subsequentes (também chamados de "apercepções") da consciência, e mesmo que a linha divisória entre o observador, cuja consciência está sendo afetada, e o objeto físico observado possa ser deslocado para um ou outro grau considerável [cf., von Neumann ] não pode ser eliminada. Pode ser prematuro acreditar que a atual filosofia da mecânica quântica continuará a ser uma característica permanente de futuras teorias físicas; ela permanecerá notável, de qualquer maneira que nossos conceitos futuros possam ser desenvolvidos, dado que o muito estudo do mundo externo levou à conclusão de que o conteúdo da consciência é uma realidade definitiva.

[Original] When the province of physical theory was extended to encompass microscopic phenomena, through the creation of quantum mechanics, the concept of consciousness came to the fore again: it was not possible to formulate the laws of quantum mechanics in a fully consistent way without reference to the consciousness All that quantum mechanics purports to provide are probability connections between subsequent impressions (also called "apperceptions") of the consciousness, and even though the dividing line between the observer, whose consciousness is being affected, and the observed physical object can be shifted towards the one or the other to a considerable degree [cf., von Neumann] it cannot be eliminated. It may be premature to believe that the present philosophy of quantum mechanics will remain a permanent feature of future physical theories; it will remain remarkable, in whatever way our future concepts may develop, that the very study of the external world led to the conclusion that the content of the consciousness is an ultimate reality.

Remarks on the Mind-Body Question, Eugene Wigner, in Wheeler and Zurek, p.169


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[1] Conceitos da Física Quântica, Osvaldo Pessoa Jr, volume 2, Editora Livraria da Física.

4 comentários:

  1. Grande Leo,

    Ainda estou me familiarizando com os conceitos de física quântica para poder acompanhar melhor o seu blog.
    Sobre a questão de acreditar em Deus fica a pergunta: é uma questão de fé ou de razão?
    Particularmente acredito que a existência de Deus não seja uma questão de fé e sim de uso da razão. Não sei se possível de se verificar cientificamente, mas com certeza possível de provas filosóficas. Tendo a acreditar que todas essas coisas são conectadas e através da ciência chegaremos também em Deus.
    Afina, para Roma há vários caminhos possíveis!

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    1. Valeu Guerson! Deixa eu fazer coro: "Particularmente acredito que a existência de Deus não seja uma questão de fé e sim de uso da razão."

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  2. Sugiro um post com uma lista de sugestão de livros para introdução à mecância quântica. Aliás, qual a diferença entre física quântica e mecânica quântica?

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    1. Muito boa a sugestão: assim que possível, implemento.
      Sobre mecânica e física quântica, vejo diversos autores tratarem dos mesmos temas usando ambas terminologias. Por exemplo, o professor Osvaldo Pessoa Jr, trás no título de seus livros Física Quântica; já Roger Penrose, no início de O Grande, O Pequeno e a Mente Humana trás majoritariamente Mecânica Quântica. Todavia, em termos clássicos, se vc lembra lá das aulas do IME, a mecânica pode ser considerada parte do estudo da física (nos livros do segundo grau é bem marcante esta relação). Se eu achar algo que diferencie, tecnicamente, ambas terminologias, vou deixar apontado por aqui!!!

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